A vinculação do início da contagem do prazo de reabilitação do falido ao efetivo encerramento do processo de falência representa grave violação aos direitos fundamentais do cidadão. Esse foi o entendimento do juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, ao permitir a reabilitação de um falido antes do encerramento da falência.
De acordo com a Lei de Falências (Lei 11.101/05), o falido fica impedido de exercer atividade empresarial até que seja reabilitado. Na hipótese de não ter ativos suficientes para pagar os credores, o prazo de reabilitação do falido só inicia após o encerramento da falência.
Para o juiz Daniel Carnio Costa, no entanto, essa contagem viola direitos do cidadão, uma vez que o processo de falência não possui prazo certo para ser encerrado e, muitas das vezes, demora longos anos devido a burocracia.
“Submete-se o falido, na prática, a uma pena quase perpétua que o excluirá definitivamente da vida econômica e do livre exercício de suas iniciativas empresariais. Tal situação viola os direitos fundamentais ao trabalho e à livre iniciativa, além de vulnerar em certa medida a própria dignidade da pessoa humana”, afirmou na sentença.
O juiz lembra na decisão que a antiga Lei de Falências estabelecia que o prazo prescricional para os crimes falimentares tinha o início de sua fluência a partir do encerramento da falência. No entanto, a jurisprudência dos tribunais compreendeu que vincular o início do prazo prescricional ao término do processo de falência representava submeter o falido a uma situação prática equivalente a imprescritibilidade dada a incerteza e a demora quanto ao fim do processo falimentar.
O Supremo Tribunal Federal, inclusive, editou a Súmula 147 para tratar do tema, estabelecendo que “a prescrição do crime falimentar começa a correr da data em que deveria essa ser encerrada ou do efetivo trânsito em julgado da sentença que encerrar ou julgar cumprida a concordata”.
A nova Lei de Falências (Lei 11.101/05) alterou essa questão, estabelecendo que sua fluência, cujos prazos são determinados pelo Código Penal, tem início com a decretação da falência, e não mais com seu encerramento. Porém, a lei não alterou o prazo em relação à reabilitação do falido.
Porém, afirmou o juiz, da mesma forma que o STF entendeu que não se poderia vincular o início do prazo prescricional exclusivamente ao encerramento do processo falimentar, pelas mesmas razões também não se deve vincular o início do prazo de reabilitação do falido.
“Assim, aplicando-se o mesmo raciocínio, deve-se admitir que o prazo de reabilitação tenha início de fluência antes do encerramento da falência, em hipóteses em que tal processo tem seu andamento excessivamente demorado”, afirmou.
No caso analisado, o juiz concluiu ser razoável admitir que o início do prazo de reabilitação do falido possa ter início a partir da data da decisão judicial que determinou o “arquivamento” da investigação da prática de crime falimentar.
Para o advogado Leandro Bauch, do De Luca, Derenusson, Schuttoff e Azevedo Advogados, o precedente é importante e positivo para os devedores. “A decisão vem em boa hora e está em consonância com o que se espera de um processo de falência, que deve sim buscar o pagamento dos credores, mas não pode resultar na exclusão peremptória do agente pessoa física do mercado.”
Ele lembra que, em 2015, a 2ª Vara de Falências e Recuperações decidiu no Processo 1105914-76.2013.8.26.0100 que a inabilitação não deve automaticamente atingir os sócios e administradores de uma sociedade limitada, pois mantêm sua autonomia patrimonial. “Talvez essa possa ser uma solução a ser explorada para dar a efetividade pretendida ao processo falimentar”, concluiu.