Empresas gastam 1.958 horas e R$ 60 bilhões por ano para vencer burocracia tributária, apontam pesquisas

A cada 200 funcionários, 1 trabalha na área contábil no Brasil. Nos Estados Unidos, a proporção é 1 para mil e, na Europa, 1 para 500. As informações são da diretoria da Stefanini, multinacional brasileira de tecnologia presente em 40 países, e dão uma dimensão da complexidade da tarefa de calcular e pagar impostos no Brasil.

O pagamento dos impostos em si é apenas uma das etapas de um processo burocrático. Antes disso é preciso calcular o valor do tributo a ser recolhido, preencher uma série de formulários e analisar um emaranhado de normas para verificar aquilo que pode ser descontado ou eventualmente transformado em crédito tributário.

O Brasil é o país onde se gasta mais tempo para lidar com a burocracia tributária no mundo. De acordo com relatório divulgado no dia 31 de outubro pelo Banco Mundial, as empresas gastam em média 1.958 horas por ano para cumprir todas as regras do Fisco (leia mais abaixo).

Tudo isso custa caro. A estrutura de tecnologia e recursos humanos que as empresas precisam montar para lidar com a burocracia consome cerca de 1,5% do seu faturamento anual, aponta pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Isso significa um gasto de cerca de R$ 60 bilhões em 2016 somente para calcular e pagar impostos.

Muitos impostos

Segundo o IBPT, existem hoje em vigor no Brasil 63 tributos e 97 obrigações acessórias – conjunto de documentos, registros e declarações utilizadas para o cálculo dos tributos e que precisam ser enviados ao Fisco dentro de prazos pré-estabelecidos sob pena de multa.

Além disso, estima-se que cada empresa tem que seguir atualmente mais de 3.790 normas, o equivalente a 5,9 quilômetros de folhas impressas em papel formato A4, segundo o IBPT. A cada dia, uma média de 30 novas regras ou atualizações tributárias são editadas no país. Ou seja, a cada hora, mais de uma nova norma tem que ser seguida ou levada em conta no cálculo dos impostos. Brasil discute há anos a necessidade de fazer uma reforma tributária e simplificar o pagamento de impostos. Atualmente, há uma proposta em análise no Congresso. O foco é a unificação de alguns impostos e fim de isenções fiscais. Não há previsão, no entanto, de redução de carga tributária em termos de percentual do PIB.

Burocracia e complexidade tributária custam a empresas R$ 60 bilhões por ano

O peso da burocracia nas empresas

Mais do que desperdício de tempo e de gente, toda a burocracia e complexidade tributária representa um custo adicional para as empresas, que inevitavelmente é repassado aos preços dos produtos e serviços e reduz a competitividade do Brasil. A título de comparação, R$ 60 bilhões é o valor que o governo pretende arrecadar até 2018 com o pacote de mais de 90 projetos de privatização.

“É tudo tão complexo, são tantas guias, tantas exceções à regra, que ninguém sabe direito como pagar”, afirma Jorge Sukarie, presidente da empresa de tecnologia Brasoftware. Ele explica que cada tributo exige um diferente tipo de cálculo, que cada estado possui uma regulamentação específica e que muitas das informações precisam ser enviadas em duplicidade uma vez que nem todos os sistemas governamentais estão integrados.

“Tem muita coisa redundante. E me incomoda muito a documentação que sou obrigado a guardar. Tenho arquivado na minha matriz documentos de 1993.”

Dos 220 funcionários da Brasoftware, 14 atuam nas áreas contábil e de folha de pagamento. E a avaliação do empresário é que a sua equipe trabalha mais para o governo do que para a empresa. “Para mim é muita gente. Eu penso que eu não deveria ter metade disso, considerando que eu pago duas auditorias externas e toda tecnologia por trás”, diz o empresário.

Segundo a contadora Andrea Faustino, a equipe gasta mais tempo lidando com a burocracia do que atendendo clientes ou produzindo relatórios internos. “Nosso maior custo é com as auditorias para ter certeza de que a documentação está ‘ok’ e para não ter problema com a fiscalização”, afirma.

Na Brasoftware, 14 dos 220 funcionários estão envolvidos na burocracia tributária, e duas auditorias externas assessoram a equipe (Foto: Celso Oliveira/G1)

‘A mais complexa e a mais eletrônica’

O avanço da tecnologia e a digitalização das escriturações acabou nos últimos anos com boa parte da papelada e carimbos. Desde 2013, por exemplo, os livros fiscais não precisam mais ser encadernados e registrados nas juntas comerciais.

Atualmente, praticamente todas as declarações e registros são exportados diretamente para os sistemas desenvolvidos pelo Fisco e transmitidos via internet. Mas a informatização não trouxe necessariamente mais simplificação para a vida das empresas.

“Costumo dizer que o Brasil tem a burocracia mais complexa e a mais eletrônica do mundo”, afirma Marco Stefanini, presidente da Stefanini.

“O foco de toda a automação no Brasil não é simplificar a vida das empresas, é aumentar o controle da fiscalização. Então, acaba de certa maneira aumentando o meu custo. Porque eu tenho que ter mais sistemas e mais controle para prestar para o Fisco.”

Pesquisa recém-divulgada pela Fiesp, mostra que para 91,4% das empresas, a burocracia afeta a competitividade. E para 90,2% das empresas, a burocracia estimula a corrupção. Para os entrevistados, as mudanças mais importantes para reduzir a burocracia seriam o fim da necessidade de prestação de informações repetidas ao governo, a criação de um cadastro único de regularidade fiscal e o estabelecimento de prazos máximos para que um requerimento seja concedido/aprovado.

‘Aqui é tudo mais difícil’, diz Marco Stefanini, fundador e presidente da Stefanini, que atua em 40 países.

Brasil na lanterna de ranking

Tamanha burocracia faz do Brasil o país onde mais se desperdiça tempo calculando e pagando impostos, segundo ranking do Banco Mundial. Apesar de ter conseguido reduzir em 80 horas no último ano o tempo gasto por ano com pagamento de impostos, o Brasil segue na lanterna. São 1.958 horas gastas por ano em média por ano com o cumprimento das obrigações tributárias.

Na Bolívia, que ocupa o penúltimo lugar, são 1.025 horas por ano. Na Argentina, por exemplo, o tempo médio é de 311,5 horas/ano. Já no México o número cai para 240,5 horas/ano. A média nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 160,7 horas anuais. Ou seja, 8% do tempo gasto no Brasil.

O vice-presidente da Bosch para a América Latina, Wolfram Andres, afirma que a complexidade do sistema tributário brasileiro exige um gasto com pessoal muito superior ao de outros países.

“A Bosch da Espanha tem vendas equivalentes a da Bosch do Brasil e lá temos apenas 1 especialista em tributação. Aqui são 35. Esse é custo Brasil”

A Receita Federal contesta a metodologia utilizada pelo Banco Central e afirma que o tempo gasto já é bem menor, ao redor de 600 horas anuais para uma empresa de médio porte, segundo estudo encomendado à Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon).

Em resposta a questionamentos do G1, a Receita informou que estão em curso uma série de iniciativas de simplificação para melhorar o ambiente de negócios do país e que espera que no início de 2018 haja uma redução gradual no número de horas gastas para o cumprimento das obrigações tributárias.

Andrea Faustino, da Brasoftware, diz que departamento fiscal e contábil gasta mais tempo lidando com a burocracia do que atendendo clientes ou produzindo relatórios internos.

Medidas de simplificação

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou em agosto um conjunto de medidas para reduzir o chamado custo Brasil. Entre as medidas estão a simplificação do número de obrigações acessórias, o compartilhamento de informações entre os fiscos, o eSocial para empresas, o portal único do comércio exterior, padronização na nota fiscal de serviços eletrônica e a simplificação do registro de empresas.

Medidas de desburocratização e simplificação tributária

MEDIDA O QUE É OBJETIVO CRONOGRAMA
SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) Plataforma de envio de documentos fiscais, declarações e informações exigidas pelo fisco Simplificar as obrigações acessórias e eliminar declarações e formulários estaduais redundantes Até o final de 2018
eSocial para empresas Plataforma de prestação de informações do empregador Migrar para um mesmo ambiente 15 informações tributárias periódicas como Gfip, Rais e Caged Começa em janeiro de 2018 para grandes empresas e a partir de julho para as demais
Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios) Integração dos órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pelo registro de abertura, alteração e fechamento de empresas Reduzir para até 3 dias em média o prazo de abertura e fechamento de empresas 80% de integração até o final do ano, com mais de 2.000 municípios
Nota Fiscal de Serviços eletrônica (NFS-e) Padrão nacional de emissão de nota para empresas do setor de serviços, inclusive em versão mobile Racionalizar o número de obrigações acessórias e também os custos governamentais Até o final de junho de 2018. Projeto-piloto em curso em 8 municípios
Portal Único do Comércio Exterior Plataforma para centralizar pagamentos de tributos, documentos e dados exigidos para despacho aduaneiro Reduzir de 5 para 3 dias o tempo médio dos procedimentos de importação e exportação, e os custos Em curso projeto-piloto com os estados do RJ, SP e PE

Com as medidas, o governo espera que caia para menos de 600 horas por ano até 2018 o tempo gasto com pagamento de impostos. Meirelles projeta também que o tempo para abertura de empresa possa cair para até 3 dias em média. Já o prazo para procedimentos de importação e exportação deve cair de 5 para 3 dias.

“A maioria dos projetos se encerram em 2018, porém as primeiras entregas intermediárias devem começar a impactar positivamente já no final deste ano e no 1º semestre do ano que vem”, informa a Receita.

O diretor da Fenacon, Hélio Donin Júnior, avalia que até meados de 2018 o tempo médio gasto com pagamento de impostos no Brasil já terá caído para um patamar ao redor de 1.000 h/ano.

Ele explica que o Sistema Público de Escrituração Contábil (SPED) vem permitindo a integração de informações e declarações, além da eliminação de redundâncias. “É um ambiente único, onde todos os setores do governo vão lá e buscam as suas informações. Ele organizou o que antes eram ações isoladas de declarações digitais”, diz.

“Já entrou a parte fiscal e agora vai entrar a parte de departamento pessoal. Com a entrada do eSocial vai acabar Rais, Caged, Dirf e tudo será migrado para uma única declaração no ambiente SPED”.

Para o gerente de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, medidas de simplificação e desburocratização são importantes, mas é necessário discutir uma estrutura tributária mais racional com uma maior integração das exigências.

“Uma simplificação mais radical exige uma reforma tributária com a adoção de sistemas mais automáticos, mais universais, com menos regimes especiais e excepcionalidades. “

Segundo empresários e tributaristas, além de gerar distorções e altos custos administrativos e judiciais, o grande número de regimes de cobrança diferenciada também cria armadilhas e congestiona o número de questionamentos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e dos conselhos estaduais.

“A quantidade existente de impostos e regras é uma loucura, isso cria instabilidade jurídica e torna o sistema muito judicializado, o que também é ruim para o investimento externo”, afirma Donin Júnior.

Entrada do eSocial para empresas, a partir de 2018, irá eliminar parte da papelada das obrigações trabalhistas e declarações como Rais e Caged. Atualmente, guias de FGTS e INSS são arquivadas por 10 anos pelas empresas (Foto: Celso Oliveira/G1)

Para o presidente do IBPT, o país deveria aproveitar o debate sobre a necessidade de uma reforma tributária para promover uma profunda revisão da estrutura de impostos no Brasil. Atualmente, a tributação sobre consumo pesa mais do que a sobre renda e patrimônio, o que é considerado por muitos tributaristas um modelo injusto.

“Menos burocracia e menos legislação é importante. Mas a reforma não deveria ser só para fazer simplificação. Temos hoje uma regressividade tributária, o que penaliza muito mais quem é mais pobre”, diz Olenike.

Fonte: G1 Noticias